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Por Airton Vieira*
(…) dizes: Sou rico e cheio de bens, de nada tenho falta; e não sabes que és um infeliz, e miserável, e pobre, e cego, e nu. Aconselho-te, que me compres ouro provado no fogo, para te fazeres rico, e te vestires de roupas brancas, e não se descubra a vergonha da tua nudez, e unge os teus olhos com um colírio, para que vejas. Eu, aos que amo, repreendo e castigo. Tem, pois, zelo, e faze penitência.
(Ap 3,17-19)
Para mim, apesar de ser algo impensável (a palavra seria impossível) sintetizar conclusivamente o presente assunto, lembro o que disse no princípio (Parte I) de que a ideia é lançar sementes aos mais credenciados que melhor as cultivem, e disto possam tirar mais e melhores frutos que alimentem e deem sombra a quem tiver “fome e sede de justiça”.
Com permissão do leitor gostaria então de deitar meu óbolo no gazofilácio para assim retirar-me ao deserto, que dele eu primeiro tenho sede.
†
Dostoiévski, Kramarik e Peterson
Os três personagens abaixo, dos quais dois ainda se encontram entre nós, não são santos canonizados, como tampouco são católicos. Não obstante, muito a propósito aqui têm sua razão de ser.
Dostoiévski
O escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), exímio perscrutador da alma humana e que dispensa apresentações, em seu O Adolescente[1] bem exemplifica aquele outro lugar onde não podemos nos enganar (Parte II):
Voltou um soldado licenciado ao seu rincão, outra vez com os do campo, mas já não lhe satisfazia viver com eles, como tampouco era simpático aos lavradores. Perdeu o tino o homem, se embriagou e roubou não sei o quê; provas de força não havia, mas o detiveram, porém, e lhe intimaram […] E foi e o contou tudo, “até o último grão de trigo”. Acusou-se de tudo, com choro e contrição. Retirando-se os jurados, procederam a deliberar e logo saem todos. “Não, não és culpável.” […] Viu-se de novo livre o soldado, e a si mesmo não dava crédito. Deu de ter pesadelos, de cismar, não comer, nem beber; não falar com ninguém, e aos cinco dias foi e se enforcou. “Para que se veja o que é viver com um pecado sobre a alma”, concluia Makar Ivanovich.
Alguém disse uma vez que há gente livre nas prisões e gente presa nas ruas[2]. No tocante a Dostoiévski e consoante ao tema exposto isto nos indica que a consciência (do latim conscientia, do grego syneidesis), salvo em caso de ignorância invencível é este locus em que estamos como que diante de um espelho e bem iluminados. É o “menino” sem pejo, despido da hipocrisia adulta, que aponta na multidão com a simplicidade que lhe é peculiar que “o rei está nu”. E embora encontremos na literatura uma certa correlação da consciência com o Anjo Custódio, que em muitos casos faz as suas vezes (provavelmente o que ocorreu com Agar e Maria do Egito, como visto anteriormente), trata-se de entes distintos.
Também para os pagãos ou ainda para os ateus (“Idólatras são todos, não ateus”, segundo nosso gênio russo), a consciência insiste em bater à porta quando algo vai mal, deixando o aviso de que é preciso mudar de curso. À exceção talvez dos casos de patologias de tipo psicótico, ou algumas pactuações demoníacas, ela ainda estará lá “cutucando” as almas, dizendo que o que se faz de mal deve ser objeto de arrependimento, busca do perdão e expiação. Esta, a prova concreta e corolário dos demais, sem a qual aqueles soam um tanto fake. É o que vemos, por exemplo, no Antigo Testamento e as suas cerimônias anuais de expiação, o Yom Kippur hebraico, em que se utilizava o “bode expiatório” (cf. Lv 16), função assumida mais tarde por Jesus Cristo, o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), que levou o publicano Zaqueu a não só se arrepender e buscar o perdão como a restituir quadruplamente os que havia defraudado (cf. Lc 19,1-10).
Assim, se um justo peca sete vezes ao dia (cf. Prov 24,16), temos aqui, nós que estamos lejos da justiça, a razão de expiar todos os dias, toda a vida, e sem reclames. Desde João Batista, o Precursor (cf. Mt 3,1-2), passando por Cristo (cf. Mc 1,14-15; Ap 3,19) até às recentes aparições marianas (Lourdes, La Salette, Fátima, Akita etc), a palavra-chave parece ser penitência, que bem entendida e aplicada, e graças à verdade de fé que é a Comunhão dos Santos, não apenas serve para os nossos como para “os pecados do mundo inteiro”. O que me moveu, dentre outras coisas, a escrever Mensagem na garrafa, uma tentativa mais de restituir o muito que devo.
Nisto temos o exemplo do soldado dostoievskiano de que não basta a consciência do erro ainda que seguida de arrependimento, pois é a própria consciência arrependida que aponta haver uma justiça defraudada a ser restituída, e esta naturalmente não pode ser satisfeita dando cabo à própria vida, como pensavam os xoguns e samurais japoneses. Ou simplesmente se livrando de seu fardo, como os suicidas de todos os tempos, incluindo os adeptos modernos das legalizações do aborto e a eutanásia, que além de suicidas são antes homicidas (o que pretendo tocar, se Deus quiser, em um outro artigo). Uma patente contradição se pensarmos no suicídio como um ato de desesperança. Jesus Cristo, o Inocente por excelência, político-incorretamente mostrou que o caminho é dar a vida, não tirá-la.
Kramarik
Akiane Kramarik (1994), como diz a wikipédia, “é uma artista, poetisa e criança prodígio (seus dons para as artes plásticas surgem a partir dos 4 anos) nascida nos Estados Unidos. Filha de mãe lituana e de pai norte-americano. Sua genealogia inclui poloneses, húngaros, eslovacos, russos, boêmios, chineses, franceses, dinamarqueses, judeus e germânicos.” Com este rico amálgama de ingredientes étnico-genealógicos, ao longo de sua carreira havia feito algumas “incursões” em autorretratos seus, contudo, no processo de confecção de seu Autorretrato (2020), única tela assinada com este título, registrado em um vídeo promocional como os que costuma fazer, encontrei algumas interessantes observações suas e de sua família.
Ali diz Kramarik que nunca esperaria que o seu passado “fosse uma das coisas mais desafiadoras” para se reproduzir em uma pintura, e que enfrentar o próprio reflexo foi “a tarefa mais desafiadora” de toda sua vida. Que por isso, durante o processo de confecção da obra, sentia que os seus “pensamentos, sonhos, ambições, preocupações e memórias” estavam “sendo analisados com um microscópio”. E um dado de singular importância: levou algum tempo para aceitar que seu próprio retrato usasse “uma dezena de máscaras”. A mãe informa, quiçá em função desta descoberta, que Akiane repintou “umas 40 vezes ou mais” o seu rosto, e nisto “constantemente se reexaminando, medindo, expondo, talvez para que pudesse se encontrar”. O que o irmão resume com sapiência: “Às vezes o caminho mais difícil que existe é o caminho verdadeiro, e se você segue esse caminho verdadeiro vai saber que é a forma mais pura de um autorretrato”.
Peterson
O que remete ao psicólogo, professor, escritor e conferencista canadense Jordan Peterson (1962), cuja sucinta apresentação foi feita aqui, e de alguma forma antecipa o porquê de sua ligação com nosso artigo. Dele extraio o que me pareceu ser a síntese precisa de tudo o que intentei realizar. Em uma de suas respostas de se acreditava em Deus, ouvimos: “Eu ajo como se Deus existisse, e eu estou apavorado que isso seja verdade”. E qual o motivo do apavoramento de Peterson? Se dá por seus quase 40 anos de psicologoia clínica e estudos diversos sobre a humanidade, onde descobriu - e o diz, perplexo, na série "The Psychological Significance of the Biblical Stories" - que o homem é simples e potencialmente capaz das maiores atrocidades.
Infelizmente, como há homens livres nas prisões e homens presos nas ruas, há crentes não apavorados com a verdade de que Deus exista. Luto para não ser um deles.
O Aviso
Voltando ao Aviso de Garabandal, dele se diz também que será uma “iluminação das consciências”, algo como um “novo Pentecostes”. E que “Virá sobre nós como um fogo do céu, que repercutirá profundamente no interior de cada um” (Conchita González). O fogo, sabemos, ilumina e aquece. E em Pentecostes é narrado a aparição de “línguas de fogo”.
Parece lógico então supor (desconheço as especulações teológicas a respeito) que um dos efeitos pentecostais tenha sido este “iluminar das consciências” dos discípulos, após dez dias de um “deserto cenacular” que os preparou para o “parto milagroso” da nascitura Igreja.
Neste ponto penso ser útil uma digressiva observação. O único a mencionar a volta dos discípulos de Jesus a Jerusalém após a ascensão de Cristo (cf. Lc 24,50-53) a fim de se preparar a este “parto milagroso” narrado mais detalhadamente nos Atos dos Apóstolos, capítulo 1, é (o médico) São Lucas, autor de ambos os textos. Neste preparo podemos ver três outras “ascensões”: a primeira, de Betânia (local da Ascensão de Jesus) a Jerusalém; lá estando se dirigem ao Monte das Oliveiras; de lá “subiram ao cenáculo”, onde, por fim, “perseveraram unanimemente em oração com as mulheres, e com Maria, Mãe de Jesus” (1,14), e por certo também em meditação, o que pode ser encarado como uma nova ascensão, exclusivamente da alma e do espírito.
Em tudo importa destacar o fato de se tratarem de “subidas”, “ascensões”, cuja última e mais importante só possível graças ao “deserto” vivido no cenáculo em oração e meditação quieta e silenciosa.
Vejo aqui uma relação analógica de tipo/antítipo com o Milagre. As videntes de Garabandal afirmaram que o Aviso “é uma preparação para o Milagre”, e que sem aquele este não seria suportável, tampouco se aproveitaria como deve, dado se tratar de um evento que "virá de Deus" e cujo efeito será o de uma cura integral (corpo, mente e espírito) de quem estiver presente no local ou redondezas quando de sua realização (leia-se: Los Pinos de Garabandal). Muito justo, se pensarmos que a mais pura água para ser ingerida não deve ser posta em um recipiente minimamente impuro. Deste modo o “fogo purificador” (cf. Eclo 2,5) que aquece e ilumina será a única solução de preparo das consciências já álgidas e soturnas pela adquirida estatura da iniquidade de então (cf. Mt 24,12).
Exagero?
Graças a um malévolo processo de distração e embotamento das consciências, as almas intra e extra Ecclesia já perderam a dimensão do estado pútrido em que estão imersas. É o que afirmou a Virgem, por exemplo, nas aparições em pauta, quando disse – há 60 anos! – que “Antes, o cálice estava enchendo, agora está transbordando. Muitos cardeais, bispos e sacerdotes vão pelo caminho da perdição e com eles levam muitas almas”[3].
Cegos guia de cegos…
O que me lembra uma história lida em algum lugar de um santo sacerdote (quando os havia mais amiúde) que tinha um amigo apaixonado por uma bela mulher, e que pensava em pedi-la em casamento, mas antes gostaria de mostrá-la ao Padre. O santo homem de Deus, ao ver a bela pretendente de seu amigo e turbar-se profundamente, vai até a Igreja sem dizer palavra e roga a Deus a graça a ele concedida também para seu amigo. Na semana seguinte, ao ir à casa da pretendente para consumar o pedido, se depara com o maior susto de sua vida, que lhe congela os ossos. No lugar da bela mulher, lhe abre a porta um horrendo monstro. Sem entender, se dirige às pressas até o sacerdote, que lhe desvenda o mistério. “Depois de tê-la visto roguei a Deus também a você a graça a mim concedida, de ver o estado da alma de sua bela mulher”.
O problema, de proporções inimagináveis, de nossa “geração má e perversa” (Lc 11,29-32) é que esta já não possui olfato, e deste modo já não atina que:
“… cada pecado mortal infecta e corrompe os elementos pelo grande fedor que o pecado tem em si, isto é, quando alguns blasfemam de Deus, tanto quanto aquela palavra se possa ouvir sobre a terra, ou no ar, ou na água, tanto se infecta e corrompe os elementos. Mas, quando tu matas ou zombas, ou fazes luxúrias, ou qualquer outro pecado mortal secretamente, ou em cima de uma torre, pensa que quão distante poderia ser vista a pessoa, tão distante se corrompe qualquer dos elementos pelo grande fedor que sai do pecado. E nós não o sentimos, porque somos criados neles, como uma pocilga que por seu grande tamanho não se sente o fedor expelido pelo estrume. Sobre isto dizia o profeta Joel (Jl 1): “Computruerunt jumenta in stercore suo”, que quer dizer: “As bestas são corrompidas em seu estrume” e seu fedor se ergue aos céus, com sua podridão e corrupção.” (Sermões de São Vicente Ferrer – O Anticristo e o Juízo Final. Martyria, 2018. Negritos meus).
Este é o estado de atoleiro em que estamos, mergulhados em mais de 500 anos de podridão e corrupção humanista-renascentista-protestantante-iluminista-romântico-racionalista-liberal-social-modernista, nome que quase já rivaliza com os de nossos imperadores, I e II. Nos vemos ricos e cheios de bens, de nada temos falta; e não sabemos que somos “um infeliz, e miserável, e pobre, e cego, e nu” graças ao sem número de disfarces e “máscaras” que nos tiram do “caminho verdadeiro” que nos leva à “forma mais pura de (nosso) autorretrato”.
Não nos resta muito tempo para encontrar, dentro de cada um, “esse gérmen de bem que pode ressanar e devolver a vida”. O ouro que hoje ávida e desesperadamente se busca não é aquele “provado no fogo, para te fazeres rico, e te vestires de roupas brancas,” para que “não se descubra a vergonha da tua nudez“. É o "ouro dos tolos", que valerá tanto para a vida eterna quanto a água do mar para matar a sede. Daí, mais do que nunca e com premência é preciso ungir os olhos com um colírio, para que se veja. Ao menos um agir “como se Deus existisse” que torne o homem capaz um sério exame de si mesmo” (cf. 1 Cor 11). Onde se possa despir perante o Criador, que nos vê, ama, quer eternamente limpos e para isso avisa: “Lavai-vos, purificai-vos, tirai de diante dos meus olhos a malícia dos vossos pensamentos, cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem, procurai o que é justo…”. Porque os corações sinceros podem estar certos de que pela misericórdia divina, se os os seus pecados “forem como o escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; e se forem roxos como o carmesim, ficarão brancos com a branca lã” (Is 1, 16-18).
Ocorre que "no meio do caminho tinha uma pedra"...
As próprias videntes de Garabandal, na "noite dos gritos" em que lhes foi revelado algo do Castigo, disseram que caso não o tivessem visto pensariam que o Aviso seria aquele. Isto nos diz muito. Nos diz que apesar do Castigo divino final ser de proporções ainda maiores que a do Dilúvio, Sodoma e Gomorra e a Torre de Babel, pior ainda que as guerras de todo tipo, mas condicional, como os demais, à conversão do homem: seu arrependimento seguido da busca do perdão e a devida expiação... ele virá. Virá pelo mesmo homem após "... um tempo de paz" (Fátima) novamente desprezar agora os últimos e maiores favores de Deus ao homem caído: o Aviso e o Milagre, como outrora se deu com os períodos pós-diluviano e da encarnação, morte e ressurreição do Verbo. O que significa que mais aterrador que todas as guerras, todas as catástrofes/calamidades, mais terrível e destrutivo é a corrupção do coração humano[4].
Portanto, que a humanidade, a exemplo dos discípulos o quanto antes se prepare, preferencialmente antes do Aviso. Não seja o caso de também morrer de susto ao dar-se com o seu retrato pintado por Quem tem a conta exata de todos os fios de sua cabeça, e nele se deparar com um horripilante e fétido monstro pecaminoso. Isto se antes não se enforcar, como o soldado russo, ou Judas de Kariot.
Em 19 de março do Ano da Graça de N.S.J.C de 2022. Festa de São José.
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* Responsável pelo blog Katejon. Tradutor de “O fim dos tempos e sete autores modernos”, do Pe. Alfredo Sáenz, S.J, “Mãe de Deus e nossa Mãe” e “Garabandal: chegou a hora!”, de Santiago Lanús, dentre outros. Filho de Deus e soldado de Cristo.
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Notas
[1] Apud SÁENZ, Pe. Alfredo, S.J. O fim dos tempos e sete autores modernos. Rio de Janeiro: CDB, 2020. pgs. 85-86.
[2] A esse propósito ver o pequeno vídeo “tecnocracia”, tendo em conta que a liberdade não é um bem absoluto.
[4] Sobre o que pretendo falar em um último artigo que encerrará sequência Que venha a guerra e Que venha a destruição deste mundo, acima linkados.
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